NOTA 96 - O ESPLENDOR DO CAOS - de Eduardo Lourenço

1 - Nós incorporámos o inferno no quotidiano do mais fascinante e atroz dos séculos. Basta passar em revista o imaginário deste
fim de século - da ficção á música,do cinema ao teatro,da biologia á tecnologia - para ter uma ideia do ponto a que chegou um mundo
onde o horror se tornou invisível,consumido como pura virtualidade,para ter uma ideia da metamorfose da cultura humana. Pode discutir-se
se a desordem em que estamos mergulhados - desde a económica até á da legalidade e da ética - releva ou não,em sentido próprio,do 
conceito de caos. Do que não há dúvidas é de que o habitamos como se fosse o próprio explendor.
2 - O que há de novo no mundo contemporâneo não é o facto nem mesmo o grau da inumanidade que a persistência da fome,da doença,da 
total exclusão de milhões de homens de um mínimo de dignidade ou até da hipótese de sobrevivência revela,mas a constatação de que esse
fenómeno coexiste com o espectáculo de uma civilização aparentemente dotada de todos os meios,de todos os poderes,para a abolir.
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" O Esplendor do Caos " de Eduardo Lourenço,é um pequeno livro (125 págs.) formado por 12 pequenos textos,entre os quais,intervenções em colóquios,comunicações em congressos e artigos publicados em jornais,nos quais Eduardo Lourenço aborda e analiza diversos temas
sociais e políticos,tais como,a crise da sociedade ocidental,a actual cultura de urgência e de sobrevivência americana,que se mundializa, a
redescoberta do "nacional" e da "nação",o papel da televisão,o triunfo do hedonismo,a "nova miséria" que é o desemprego,a essência insolitária do mundo actual,a sociedade sem conteúdo ético ou ideológico como referente ideal,o exercício do poder no fim do séc.XX,entre outros.
EDUARDO LOURENÇO é um dos grandes vultos da cultura portuguesa contemporânea.Hoje com quase 92 anos -29/5/1923-professor,ensaísta e filósofo,é natural de uma pequena aldeia da Beira interior. O pai era capitão de Infantaria e Eduardo Lourenço seguiu-lhe as pisadas,já que frequentou o Colégio Militar,após o que rumou á Universidade de Coimbra onde obteve a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas,em 1946.Tornou-se assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (1947/53) e Leitor de
Cultura Portuguesa nas Universidades de Hamburgo,Heidelberg e Montpellier e passou um ano na Universidade Federal da Bahia,como professor de Filosofia,após o que foi viver para França a partir de 1960,onde acabou por fixar residência em Vence.Foi Leitor na Universidade de Grenoble e,depois de Maitre Assistant e Maitre de Conferences ,tornou-se professor jubilado da Universidade de Nice,em 1988. Desde 1999 ocupou o cargo de administrador não executivo na Fundação Calouste Gulbenkian,em Lisboa,durante vários anos.
Eduardo Lourenço foi influenciado pela leitura de Husserl,Kierkegaard,Nietzsche,Heidegger,Sartre,Dostoievski,Frans Kafka e Albert Camus,tendo sido associado ao existencialismo,numa dada fase. Contudo,nunca se deixou enfeudar a qualquer escola de pensamento.
Tem sido distinguido com numerosos e importantes prémios e condecorações,entre os quais,Prémio Pessoa (2011),Prémio Camões (1996),
Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon (1988).É autor de vasta obra literária - cerca de 40 livros - entre os quais,"A Morte de Colombo - Metamorfose e Fim do Ocidente como Mito","O Fascismo Nunca Existiu","Os Militares e o Poder","O Complexo de Marx" e "O Espelho Imaginário".(vikipedia/eduardo lourenço)
E então, neste " Esplendor do Caos ", o que diz Eduardo Lourenço ? Vamos ver,pela rama,algumas afirmações do livro.
O Esplendor do CAOS ! Mas o que é o caos ?  O caos evoca a ideia não apenas de confusão e desordem dos elementos,mas uma espécie de
incapacidade do espírito para compreender e,ainda menos,dominar um estado de coisas,do mundo,da sociedade,da história,onde se não vislumbra a sombra de uma ordem. E porquê o ESPLENDOR ?  Porque esta " feérie " cultural permanente em que se vive,embora seja puramente decorativa e fantasmagórica,acaba por ocultar o caos.
Ao longo dos tempos,a ordem tem transformado o caos em cosmos,o que tem permitido os vários ciclos da vida universal. Esgotado o tempo 
de cada ciclo,o mundo voltava a uma espécie de caos donde emergia um novo mundo. É o "eterno retorno" de Nietzche. Do nada se fazia
nova luz. Mas o que é o nada ? É só a não-luz de uma luz que não teve começo nem fim ou "aquilo onde tão festivamente estamos".
CRISE da Civilização Ocidental ?  Sim,porque desfizeram as normas e os reflexos de um mundo estruturado e porque foi o Ocidente habituado
a trilhar por conta da humanidade inteira o "caminho" sem o qual viveriamos passivamente os tempos. Por isso,esta deriva,ou esta incapacidade de saber onde estamos e para onde vamos,só pode evocar outras épocas onde a ordem de então havia sossobrado. Basta
ver o que se passa com a prática de comportamentos tidos não há muito como escandalosos ou mesmo preversos e que tirou conteúdo á dicotomia tolerância - intolerância e fez com que o intolerável deixasse de ser apreendido como tal, em nome da tolerância. Por isso - pergunta
Eduardo Lourenço - ter-se-á a tolerância transformado na "pastosa renúncia a distinguir em nós e nos outros e na humanidade inteira o que
nos salva e o que nos perde ? " 
 Vivemos num MODELO ECONÓMICO sem alternativa e num modelo único de prática social e a falta de investimento em superinstituições 
onde os homens se reconheçam -Nações Unidas e Unesco- faz com que a humanidade esteja sem futuro e sem horizonte, o que fez ressurgir   uma nova exaltação do nacional e mesmo do regional e do local. Assim - continua Eduardo Lourenço - a humanidade não saiu e    porventura não sairá jamais da sua ganga tribal,da sua "identidade de base",seja qual fôr o nome - "Estado de Direito",entidade  
supranacional ou ordem mundial. E conclui: na actual desordem mundial,esta redescoberta do "nacional" e da "nação",apesar dos perigos 
chauvinistas que fizeram do séc. XX um século de horrores,pode ter uma função "positiva".
Diz que a CULTURA ocidental teve a sua idade de ouro nos sécs. XVIII e XIX tendo como heróis culturais,Voltaire,Byron,Goethe,Chateaubri-
and,Mankiewicz,Victor Hugo e outros, e que o papel da cultura é,precisamente,o da instauração de uma ordem "humana" a partir do caos.
Contudo,na América,a cultura é,na origem,uma cultura de urgência e de sobrevivência onde a essência do "cultural" é o rendimento.
Sobre a TELEVISÃO, refere que a podemos comparar á antiga "vox populi",sendo um impressionante meio de informação-deformação,sem
que possamos distinguir uma coisa da outra,podendo encarnar a "caverna platónica",sendo as imagens televisivas - as sombras do mito de Platão - o nosso pão quotidiano,que não denunciam um Sol ausente,porque não as criticamos,mas são o próprio Sol. Por isso,televisivamente,
todos somos já americanos. Mas, será a América uma espécie de "satã cultural" ?  Talvez não ! comunicar é poder,poder é comunicar. Há
uma matriz cultural diferente da europeia  e a televisão existe,não é em si mesmo um império do mal. É apenas a "criada de quarto" do 
cinema a quem saíu a sorte grande e contribui para o triunfo de um "hedonismo" como a humanidade raramente conheceu. A competição e a competividade são o único critério de transcendência que move a história tal como a estamos vivendo.
Quanto aos "novos pobres",não são convidados para erguer,mesmo com o seu sangue,nenhum templo. Eles não chegam a entrar neles.
A máquina de desempregar a humanidade funciona já,simbolicamente,sózinha. Milhões de jovens,só na Europa,instruidos e preparados -
acaso mal - não conseguem entrar no processo produtivo e em menos de 10 anos a Europa voltou a uma situação comparável a uma 
sociedade intrinsecamente pobre,como era a do séc. XV  na Península Ibérica. Há,assim,uma situação de urgência,de verdadeiro pânico,
que assola e perturba o mundo em que vivemos,com milhões de excluidos da família humana. E a nova ordem económica mundial levou
a cabo a dissolução efectiva,não onírica,da ordem familiar,em termos desconhecidos das idades passadas,em todas as culturas, e que
é também um reflexo da essência intrinsecamente insolidária do nosso mundo. Mas, Eduardo Lourenço, não se põe á margem  - os santos
ficam impávidos,mas os não-santos não podem fechar os olhos - e toma posição : " utopia por utopia,a solidariedade na recusa de uma
sociedade assumida e triunfalmente nada solidária é ainda a melhor das escolhas ".
Quanto ao exercício do poder  no fim do séc. XX.,refere que a DEMOCRACIA é a forma mais aceitável e mais subtil de poder e que o
nazismo foi a tragédia fáustica do século e o estalinismo a tragédia espiritual,como história e como cultura. E critica a "intelligentsia" ocidental
e os seus sucessores pois "queimam na praça pública o que adoraram ontem". Aliás,para alguns,os intelectuais são "padres sem religião",
sacristões á procura de igreja,e o actual poder económico-mediático-cultural,nas suas manifestações mais eficazes,só pode ser comparado
ao de uma teocracia sem Deus. Contudo,a luta por um mundo mais justo e solidário não pode parar. Como tudo o que é essencial,só
medimos o preço pela ausência.
....................................................................................... "O Esplendor do Caos" de Eduardo Lourenço !  Faz lembrar  " No Castelo do Barba
Azul " de George Steiner. Pela temática geral,á volta da crise da civilização ocidental,e pela posição adoptada por ambos os autores.
Eduardo Lourenço e George Steiner "parentes" de uma mesma visão do mundo ? "Humanistas pessimistas" que leem pela mesma cartilha ?
"herdeiros de Sócrates" no sentido de que a visão que têm,aí nasceu nos seus traços gerais e continua a pautar os discursos daqueles que
têm a defesa da humanidade no centro dos seus textos ?  Por que não ! Cada um que tenha a leitura que quiser. A minha vai nesse sentido.