NOTA 49 - O ÚLTIMO CABALISTA DE LISBOA - de Richard Zimler
Em abril de 1506,durante as celebrações da páscoa,cerca de dois mil cristãos-novos foram mortos num "pogrom" em Lisboa
e os seus corpos queimados no Rossio.
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"O Último Cabalista de Lisboa", best-sellers em 11 países,incluindo os USA,Inglaterra,Itália,Brasil e Portugal,é um extraordinário
romance histórico tendo como pano de fundo os eventos verídicos desse mês de abril de 1506. Foi publicado pela 1ª vez em 1996,
com o título original "The Last Kabbalist of Lisbon",e o autor - Richard Zimler - nasceu em Nova york,trabalhou como jornalista
durante 8 anos na região de São Francisco e em 1990,veio viver para Portugal,na cidade do Porto,onde tem sido professor de
jornalismo e tem dupla nacionalidade,americana e portuguesa.Publicou 7 romances na última década ,best-sellers em vários países.
O que foi O MASSACRE DE JUDEUS EM LISBOA , em abril de 1506 ?
No massacre de Lisboa de 1506,também conhecido como " Pogrom de Lisboa " ou " Matança da Páscoa de 1506 ",uma multidão
perseguiu,violou,torturou e matou centenas de pessoas,acusadas de serem judias. Isto sucedeu antes do início da Inquisição e
nove anos depois da conversão forçada dos judeus ( cristãos-novos ) em Portugal,em 1497,no reinado de D.Manuel I.
Cerca de 93.000 judeus refugiaram-se em Portugal nos anos que se seguiram á sua expulsão de Espanha,pelos reis católicos,
em 1492. D. Manuel I mostrava-se mais tolerante para com a comunidade judaica,mas sob a pressão da Espanha,também em
Portugal,a partir de 1497,os judeus foram forçados a converter-se.
A historiografia situa o início do massacre no Convento de São Domingos de Lisboa,no dia 19 de abril de 1506,um domingo,
quando os fiéis rezavam pelo fim da seca e da peste que tomavam Portugal. Então,alguém jurou ter visto no altar o rosto de
Cristo iluminado - fenómeno que para os católicos presentes,só poderia ser interpretado como uma mensagem de misericórdia
do Messias - um milagre.
Um cristão-novo (judeu) que também participava da missa tentou explicar que esse milagre era apenas o reflexo de uma luz,
mas foi calado pela multidão,que o espancou até á morte.
A partir daí, os judeus da cidade que anteriormente já eram vistos com desconfiança,tornaram-se o bode expiatório da seca,
da fome e da peste . Três dias de massacre se sucederam,incitados por frades dominicanos que prometiam absolvição dos
pecados dos últimos 100 dias para quem matasse os "herejes", e que juntaram uma turba de mais de 500 pessoas,incluindo
muitos marinheiros da Holanda,de Zelândia e de outras terras,com as suas promessas.
O Rei encontrava-se em Abrantes - onde se instalara para fugir á peste - quando o massacre começou. D. Manuel I tinha-se
posto a caminho de Beja,para visitar a mãe,e terá sido avisado dos acontecimentos em Avis,logo mandando Magistrados,
para tentar pôr fim ao banho de sangue. Entretanto,em Lisboa,mesmo as poucas autoridades presentes,foram postas em
causa e,am alguns casos,obrigadas a fugir.
Como consequência,homens,mulheres e crianças foram torturadas,massacradas,violadas e queimadas em fogueiras improvisadas
no Rossio,mais precisamente junto ao Largo de São Domingos. Os judeus foram acusados,entre outros "males", de deicídio e
de serem a causa da profunda seca e da peste que assolava o país. A matança durou 3 dias - de 19 a 21 de abril - ,na semana
santa de 1506,e só acabou quando foi morto um cristão-novo (mas não judeu) que era escudeiro do Rei ... Depois,as tropas
reais chegaram finalmente para restaurar a ordem.
D Manuel I penalizou os envolvidos,confiscando-lhes os bens e enforcando muitos,incluindo os frades dominicanos instigadores
que foram condenados á morte por enforcamento.(wikipedia/massacre de lisboa de 1506)
Richard Zimler,para escrever este seu livro,seguiu passo a passo o manuscrito do judeu Berequias Zarco e,embora o seu livro
"seja mais que uma tradução", Zimler manteve-se fiel ao conteúdo do escrito de Berequias.
"O Último Cabalista de Lisboa". Mas,o que é um cabalista ? É uma pessoa que estuda a Cabala. E o que é a Cabala ?
R. Zimler responde : " a filosofia mística que a partir da Provença se propagou pela diáspora judaica no início da Idade Média
e que tinha sobrevivido ao longo dos séculos seguintes,tanto oralmente como por escrito. Os textos cabalísticos mais conhecidos
são o Bahir e o Zohar ".
E o que é o manuscrito de Berequias Zarco ? " são 9 manuscritos encadernados a couro,escritos na escrita hebraica angular
tipica da Ibéria,a linguagem fundamentalmente judaico-portuguesa,um português antigo escrito em caracteres hebraicos.
O papel estava em excelentes condições e todos tinham uma assinatura de um homem de nome Berequias Zarco, e foram
escritos entre os anos de 1507 e 1530 ".
Na noite de 18/7/1990,Richard Zimler começou a ler esta obra. E como é que o autor chegou até aos manuscritos ?
Ele também explica : encontrou-os numa casa,em Istambul,quando aí esteve durante sete meses,em 1990,a estudar a
poesia safardita. Fora-lhe cedida por Abraham Vital,advogado,e pertencera a um cliente deste,Ayas Lugo.
E quem é " O último Cabalista de Lisboa " ? É Abraão Zarco, tio de Berequias Zarco, e por quem este nutria um grande
respeito e admiração e que apareceu morto durante o "pogrom", em condições estranhas e inexplicáveis.
O que foi "a conversão forçada dos judeus" ? Vejamos o que diz a "Nota Histórica", no início do livro :" Em dezembro de 1496,
quatro anos depois de expulsarem do seu reino todos os judeus,os Soberanos de Espanha,Dom Fernando e Dona Isabel,
convenceram o Rei de Portugal,Dom Manuel,a fazer o mesmo. Em troca,os monarcas espanhóis concediam-lhe em casamento
a mão de sua filha. Pouco antes de a ordem de expulsão ser aplicada,Dom Manuel,que não queria perder tão preciosos subditos,
decidiu converter os judeus portugueses. Em março de 1497,mandou encerrar todos os portos de embarque e ordenou que se
reunissem todos os judeus e os conduzissem á força á pia baptismal. Embora os relatos que chegaram até aos nossos dias
refiram judeus que preferiram dar-se a morte e matar os filhos a converterem-se,a maior parte deles acabou por ser forçada
a aceitar Jesus como o Messias. Apelidados de cristãos-novos,foram-lhes dados 20 anos para abandonarem os usos judaicos
tradicionais,promessa essa que se veio a revelar falsa ao longo de duas décadas de intolerãncia e perseguições que se seguiram.
Mesmo assim,muitos dos novos cristãos persistiram nas suas crenças. Em segredo e ao preço de riscos enormes,continuaram
a recitar as suas orações hebraicas e a praticar os seus rituais,sobretudo os do "Shabat" e das festas judaicas. Um desses
judeus clandestinos era Berequias Zarco,o narrador de "O Último Cabalista de Lisboa"
"O Último Cabalista de Lisboa". Sim senhor,um excelente romance histórico e "policial". Até certo ponto,faz lembrar os livros
de Sherlock Holmes,Agatha Christie ou Hercule Poirot. Mas fica a ideia de que o livro é,no essencial,a transcrição dos manuscritos
do Berequias Zarco e que este é que é o autor de quase tudo o que aqui está escrito. Por isso,muito do mérito vai para o
Berequias Zarco. A não ser que tudo isto seja ficção e,na realidade,nunca existiram os manuscritos,nem o Berequias,nem o
Abraão Zarco. Nesse caso,como é óbvio,o mérito vai na totalidade para o autor.
E,afinal,quem matou "O Último Cabalista de Lisboa" ? Cá está outro mérito do "detetive" Berequias Zarco - "Beri" - para os amigos,
e com o nome cristão de Pedro Zarco. É que,só no fim do livro,depois de quase toda a gente do círculo de amigos de Mestre
Abraão Zarco,ter sido considerada suspeita da sua morte,e por isso,investigada por Berequias,só no fim do livro é que se descobre
a identidade do assassino : Diego Gonçalves,um dos membros do grupo de "iniciados" do ilustre cabalista Abraão Zarco. E porque
é que o Diego matou o Mestre Abraão ? Por causa de um incidente que se passara em Sevilha e,depois do qual,deixou de haver
confiança entre Mestre Abraão e Diego.
Berequias Zarco,que sempre vivera em Lisboa,acabou por partir para Constantinopla,em agosto de 1507,onde era conhecido
como um cabalista excêntrico,mas culto.
No fim do livro,diz que vai regressar a Portugal,para ir buscar familiares e que " este manuscrito é a arma que levarei comigo ".
Mas o livro acaba. E como os manuscritos foram encontrados em Constantinopla (hoje,Instanbul), é lícito perguntar se regressou mesmo.
O que é que se pode dizer mais ?! Berequias Zarco aborda muitos temas : descreve o massacre dos judeus em pormenor, fala da
"pequena Jerusalem" - o maior bairro judeu de Lisboa,com 20.000 casas - ,refere a justiça do Rei D.Manuel I, e acaba por
dizer que " mais que os meus manuscritos,mais que os meus estudos da Cabala ", considera que a plenitude da sua vida,
foi o que deu á mulher e aos filhos.
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Moral da história ! hoje existe no ocidente e em Portugal mais educação e tolerância do que no tempo de Berequias Zarco.
Mas,ainda estamos longe duma verdadeira tolerância planetária ...