NOTA 113 - HISTÓRIAS DA MINHA VIDA
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1 - AS QUEDAS
Lembro-me de duas quedas monumentais que sofri ao longo destes anos de vida. Caí mais vezes,sem dúvida,mas estas
duas quedas ficaram-me na memória como as maiores que sofri e são delas que me lembro melhor. As outras ocupam um
espaço menor e menos claro no conjunto de factos que retenho em memória.
a ) - Teria eu uns três ou quatro anos,por volta de 1954,vivia em Santana junto ao estabelecimento do Emílio Nero,onde o
meu pai era funcionário.De vez em quando vinha dar uma volta á rua e percorria alguns metros do passeio
junto á residência,tomando contacto com a liberdade de estar só,vendo passar os carros na estrada e as pessoas na
azáfama diária. Em certo dia,já não me recordo porque é que escorreguei,mas suponho que pisei qualquer matéria
escorregadia,caí desamparado para trás e bati estrondosamente com a cabeça na calçada. Fiquei sem fala ! Com um
grande inchaço,e depois de alguns instantes,lá me consegui pôr de pé e caminhar até casa,que ficava mesmo ali. Mas
fiquei sem fala durante algum tempo e demorou até que voltasse á normalidade. Foi uma queda aparatosa,desamparada e,
pareceu-me,corri alguns riscos da coisa ser mais grave. Mas tive sorte e recompus-me. Não mais ao longo da vida me
esqueci daquela queda.Fiquei sempre com a sensação de que tive sorte com as consequências.
b ) - Muitos anos mais tarde,voltou a acontecer algo semelhante. Teria eu os meus 26 ou 27 anos e numa visita que fiz
á estância de turismo de Zermatt,na Suiça,subi lá acima no funicular,com roupa e sapatos normais de turista,e quando me
encontrava a observar a paisagem extraordinária áquela alta altitude,escorreguei no gelo onde tinha os pés assentes e
voltei a cair desamparado para trás e bati com grande estrondo com a cabeça no chão gelado. Perdi novamente a fala !
Fiquei outra vez muito combalido e demorei algum tempo a recuperar a consciência e o equilibrio. Tinha-se repetido,
talvez uns 30 anos depois,a queda que eu dera quando tinha 3 anos. E,mais uma vez,depois de passado o susto e
recuperada a estabilidade psico-motora,fiquei com a sensação de que podia ter sido pior.As consequências podiam
ter sido outras. Duas vezes com sorte nestas duas quedas das quais nunca me esqueci e que me acompanham sempre.
O que é a vida ! De alguns factos,lembramo-nos deles como se tivessem sido hoje. De outros,o tempo levou-os consigo.
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2 - A ATERRAGEM
Estão a dizer no rádio que está mau tempo na ilha da Madeira. Deixa lá ver,quando chegar a Lisboa o que é que
vão dizer no aeroporto. Bom,o tempo por aqui também não está nada famoso mas,enfim,dá para viajar.
Olha ! Voos cancelados.- O mau tempo não permite aterrar no Funchal. Têm que pernoitar em Lisboa e amanhã
logo se verá - diz a funcionária da TAP.
Lá fui pernoitar no hotel Penta ,na Praça de Espanha,com a esperança que no dia seguinte as condições
meteriológicas permitissem seguir viagem para a Madeira.
E,de facto,assim foi. Embarcámos na Portela,da parte da tarde,e lá seguimos viagem.Mas a situação não era
totalmente segura.Mantinha-se a instabilidade no arquipélago,embora o tempo tivesse melhorado.
Mas melhorou pouco. Quando sobrevoámos o Funchal,já a noite tinha caído,percebemos pelo trepidar do avião
que o tempo não estava bom.O avião balouçava muito e os passageiros começavam a assustar-se com a
situação,mas lá nos fizemos á pista. Mas... não aterrámos! O avião não conseguiu aterrar e voltou a subir.Aumentou
a ansiedade a bordo.Já se gritava,já se rezava e a confusão era enorme. Bem! o piloto deve saber o que está a fazer.
Olha! vai-se fazer á pista outra vez.Mas o avião tremia por todos os lados e os passageiros não escondiam o receio
que sentiam e ... não aterrou outra vez! Lá vai ele novamente para os céus.
Nessa altura,pelo corredor do avião já circulavam também,patos,galinhas,perus e legumes,que tinham saido das
alcofas e cabazes das madeirenses-estávamos em 1975- e o pandemónio a bordo era quase generalizado. E agora ?
O que é que o piloto vai fazer ? Isto está mau! Queres ver que o casamento acaba já aqui !
Mas não acabou. Á terceira tentativa para aterrar no aeroporto do Funchal,o avião acabou por pousar,para grande
alívio e cenas de enorme alegria como nunca vira numa viagem de avião.
Dizem que o aeroporto do Funchal é bastante perigoso. Quando a pista era mais pequena,como era então,e com
mau tempo,por certo que havia algum risco em aterrar ali. Nós só conseguimos á 3ª tentativa. Mas aterrámos e a
vida continuou. Contudo,pouco tempo depois,outros passageiros não tiveram a mesma sorte ,e o avião acabou
mesmo por cair no mar. Morreram 131 pessoas. Em 1977.
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3 - AS PRIMEIRAS LETRAS
As primeiras letras e os primeiros números. Naquele tempo ainda não havia educação pré-escolar institucionalizada
por aqui. Em 1954 as primeiras letras eram ensinadas por pessoas com interesse pela educação das crianças e que
se dispunham a receber nas suas casas,transformadas em "escolas",os miúdos,para lhes ensinarem os primeiros
passos na educação:aprender a ler,a escrever e a fazer contas.
Frequentei um desses lugares. Como vivia em Santana,ali perto havia uma senhora que ensinava a "pré-escolar".
Era a D. Claudina,na Aldeia dos Gatos. Lembro-me das primeiras lições.Eu,um bocado envergonhado e tímido a
princípio,naquele ambiente estranho,depressa me habituei á função. Com a minha ardósia e o giz,sentado num
banquinho de madeira,acompanhado por outros miúdos,lá aprendi com a D.Claudina a escrever as primeiras palavras
e a fazer as primeiras contas. O mais difícil foi começar.Depois,a pouco e pouco,vamos ganhando confiança e
percebendo o funcionamento das palavras,das frases e das operações de aritmética e é um novo mundo que se
abre para aqueles miúdos ávidos de saber : o mundo do conhecimento e da descoberta do porquê das coisas.
Guardo boas recordações do tempo em que aprendi na "escola" da D. Claudina. Geralmente nós guardamos
boas recordações daquelas pessoas com quem aprendemos alguma coisa de útil. Foi o caso. Os primeiros
passos na educação e na aquisição de conhecimentos,foram na "escola" da D. Claudina.
Ainda hoje a encontro de vez em quando. E tenho todo o gosto em a cumprimentar e saudar. E percebo que
ela também sente satisfação e,porque não dizer,um certo orgulho,de ter ajudado muitos miúdos a aprenderem
as primeiras letras e os primeiros números.
-- Olha ,ali vai o "sr.dr." ! foi um dos que passou pela minha "escola" -- dirá ela,com satisfação.
-- Olha, ali vai a D. Claudina,a primeira professora que eu tive e com quem aprendi a escrever ,a ler e
a contar--direi eu igualmente com satisfação.
Já lá vão 60 anos.
Bem haja, D. Claudina !
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4 - A ROLHA
Quando chegou a idade,acabei a "pré-primária" com a D.Claudina e iniciei a escola oficial - a escola primária. Fui frequentar
a Escola da Quintola e tive como primeira professora oficial a profª Elizabete("A Beta"),da Azoia. Os tempos de estudo na
"pré-primária" já me tinham dado alguma bagagem quanto á leitura,á escrita e á aritmética e por isso fui relativamente á vontade
iniciar a minha vida de estudante. Então já era um miúdo um bocado traquinas,ativo e brincalhão e depressa se formou um ambiente
engraçado na turma da Quintola,onde havia um grupo de alunos mais velhos,repetentes,e o grupo dos mais novos,onde eu
me incluia. No recreio era sempre brincadeira pela certa e as costumadas artimanhas dos alunos. A profª Elizabete era uma
jovem professora,competente,atenciosa e simpática,que ia dando alguma liberdade aos alunos durante as aulas.
Um certo dia,um dos alunos mais velhos levou para a escola uma rolha de cortiça grande e no recreio começou a mostrá-la
aos outros alunos.Para que serve,para que não serve,olha! vamos pôr a rolha no tubo de escape do carro da professora.
Apareceu a ideia,a princípio apenas uma ideia,mas a coisa foi-se falando,quêm põe a rolha,quem não põe a rolha,empurravam
uns para os outros,estavam a ver que aquilo ia dar sarilho,mas já não se calavam. Quem põe,quem não põe,há uma série
de alunos que se esquiva,mas,olha põe o Jorge ! Eu,um bocado apreensivo,mas para não dar parte de fraco no meio
daquela malta mais velha,lá peguei na rolha e fui colocá-la no tubo de escape do carro da proª Elizabete. Depois,ainda foram
empurrá-la com mais força para dentro do tubo.
Estava feito ! E agora. Quando,ao fim das aulas,a profª Elizabete foi pôr o carro a trabalhar,este não trabalhava. A rolha
colocada no tubo de espape impedia o funcionamento do veículo. Foi um problema e demorou algum tempo a ser resolvido.
Estava ali um caso bicudo. Tinhamos passado das marcas. Já sabiamos que ia sair castigo.
No dia seguinte,nas aulas,quem foi,quem não foi,e embora aquilo tivesse sido uma ação colectiva de um grupo,o Jorge é que foi
apontado como o autor da "façanha" de colocar a rolha no tubo de escape do carro da professora.
Mas quem é este miúdo! O Jorge? É filho do "sr.Alfredo" ali da mercearia de Santana. É um bocado traquinas. Bem,isto não
pode ficar assim.Vocês passaram das marcas.É preciso dar o exemplo.
Castigo : meia dúzia de reguadas! Lá vou ao palco levar as reguadas que me deixaram a palma da mão a ferver,e um bocado
atrapalhado com toda aquela situação,pois tinha sido levado pelos mais velhos a colocar a rolha e por isso eu é que fiquei
como o mau da fita.
Ficou-me de emenda. Passei a ter um comportamento mais calmo e ajuizado e nunca mais levei reguadas na minha vida.
A profª Elizabete,uma excelente pessoa,que vejo de vez em quando e que cumprimento com gosto,compreendeu que
aquela situação se ficou a dever ao ímpeto - por vezes excessivo - de jovens estudantes,em início de vida escolar e a
aprenderem também as boas normas no comportamento na escola.
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5 - O Prof. AMÁVEL ANDRADE DE SOUSA
Depois de um ou dois anos na escola da Quintola,mudei de escola e de professor. Fui para a escola primária de Santana,
a caminho da Cotovia e passei a ter como professor o prof. Amável Andrade de Sousa.
O prof. Amável e a esposa,a profª. Eulália Barros são figuras prestigiadas e muito conhecidas na freguesia do Castelo,concelho
de Sesimbra. Ambos professores primários,dedicaram toda a vida ao ensino,aqui em Santana-Sesimbra e viram passar
pelas suas turmas várias gerações de alunos que aprenderam com eles as bases do ensino primário,para depois passarem
para o ensino secundário.
Tenho pelo prof. Amável grande estima,assim como pela sua esposa,a prof. Eulália Barros. Encontro o prof. Amável com
alguma frequência e é para mim sempre um grande prazer trocar com ele algumas palavras. Aliás,tive oportunidade de,
quando fui presidente do Rotary Clube de Sesimbra,no ano rotário de 1992-1993,prestar uma modesta,mas singela e
sentida homenagem,tanto ao prof. Amável como á profª Eulália Barros,durante uma cerimónia incluida num jantar do clube.
A ambos,o Rotary Clube de Sesimbra reconheceu o trabalho valioso e o mérito do ensino ministrado durante dezenas
de anos,a centenas,talvez milhares,de alunos,preparando-os para a vida e para novos estudos.
Quando eu tinha os meus 7 ou 8 anos,o prof. Amável era conhecido pela malta nova como o "pápa-léguas",devido ao
seu andar compassado e ritmado e que era tão característico da sua pessoa. Quando atravessava Santana a caminho
da escola,naquele andar "militarizado" o prof. Amável era inconfundível.Ninguém andava como ele. O "pápa-léguas"
não tinha rival.Era a sua imagem de marca.
E na escola ? Bem,na escola era para estudar.Nas aulas,a disciplina era evidente e a chamada de atenção para o
que se estava a passar na aula,uma constante. A brincadeira ficava para o recreio.
E assim foi durante os tempos em que tive o prof. Amável como meu prof. do ensino primário. Não posso guardar
melhor recordação. São tempos que já lá vão há muito,mas que nunca esquecem e aqueles que num dado tempo
nos ensinaram,têm sempre um lugar priviligiado nas nossas memórias.
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6 - A COSTUREIRA
Os tecidos estavam espalhados em cima da mesa.Uns cortados,outros por cortar. Em meia dúzia de cadeiras
colocadas á volta da sala,as aprendizes de costureira,sentadas nas cadeiras,coziam e alinhavavam as peças de
roupa que lhes tinham sido entregues: calças,saias,blusas,casacos,vestidos,etc. Tudo era feito e consertado pelas
costureiras. Uma das aprendizes era a Aida,da Quintola,uma jovem bonita e simpática,que é hoje casada com o
Manuel Peixito,construtor civil e de obras públicas.Outra era a Odete,também bonita e simpática,casada com o
"João do grémio". Eu engraçava com as aprendizes e andava de volta delas,vendo o que faziam e puxando
brincadeira. Tinha eu 4 ou 5 anos. A Aida e a Odete teriam os seus 16 ou 17 anos.
Era uma azáfama grande durante aquelas horas em que o "atelier" da costura estava instalado na sala de estar.
As aprendizes,aprendiam. A costureira,ensinava. E também trabalhava,sentada na sua cadeira,cozendo e cortando
outras peças de vestuário.
Foram uns anos engraçados e movimentados. A costureira tinha jeito para a costura. Fazia bons trabalhos. Trabalhos
para muitas pessoas de diversos estratos sociais. E eu divertia-me com todo aquele movimento diário,de aprendizes,
clientes e vizinhos. E era o miúdo traquinas. Olha o Jorge,o endiabrado.Está quieto Jorge,deixa-me trabalhar--dizia a
Aida. --É o meu filho Jorge !-dizia a minha mãe quando alguma cliente nova lá ia e dava com o irrequieto miúdo.
A costureira era a minha mãe. Foi costureira durante vários anos e eu lembro-me desses tempos agitados e alegres,
do bulício e da azáfama do tempo da costura.
A D. Maria João era uma boa costureira ! ouvia eu dizer. E ficava contente. A minha mãe era uma boa costureira !
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7 - A MERCEARIA
Por essa altura,já o meu pai explorava a mercearia de Santana,que mais tarde seria transformada numa
drogaria e ,algum tempo depois,numa loja de ferragens. Tinha o meu pai comprado ao meu tio Guilherme.
Eu andava na escola primária e tinha algum tempo livre. E também tinha jeito para trabalhos manuais.
Cortar,martelar,pregar,construir qualquer coisa,etc. E,como tinha tempo,ia ter com o meu pai á mercearia
e ajudava a arrumar os produtos,a aviar os clientes e a tomar conta do estabelecimento. Os clientes,
apesar de eu ser muito novo,diziam que eu tinha jeito. E eu também achava que tinha. Foi assim durante
uns anos. Mas depois,quando fui frequentar o ensino secundário,as coisas mudaram. Se tinha aulas de manhã,tinha de
estudar em casa á tarde,a fazer os trabalhos de casa e a preparar as lições do dia seguinte. Fui-me afastando da ajuda
na mercearia e não voltei a ser "o ajudante" do meu pai. Os estudos tomavam-me todo o tempo.
Mas fiquei satisfeito com a experiência de contactar e conviver com clientes e fornecedores,de experimentar o trabalho
de uma loja,nas suas diversas vertentes,com a idade jovem que eu tinha.
A vida é aprendizagem.A aprendizagem faz-se na escola,mas também no trabalho construtivo de qualquer profissão.
Eu achava que estava bem. Quando fui frequentar o ensino secundário,levava comigo o que aprendi na escola primária,
mas também levava o resultado do contacto com a vida real do dia a dia,neste caso,o comércio de uma pequena
mercearia,e isso era,sem dúvida,um enriquecimento em termos de conhecimento e de experiência da vida.
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8 - O COLÉGIO DE SESIMBRA
O Colégio de Sesimbra,onde frequentei o ensino secundário até ao 5º ano do liceu,constituiu um grande salto,face á
escola primária. Era outro mundo. Muitas salas de aula,muitos professores,excelentes instalações,matérias escolares
totalmente novas,enfim! uma grande passada em frente no caminho da aprendizagem escolar.
Frequentei o Colégio de Sesimbra do Dr.Costa Marques na década de 1960. Guardo boas recordações desses tempos.
Foram anos de aprendizagem e de convívio,que ajudaram a moldar o carácter e a personalidade e cujo resultado
acabamos por transportar pela vida fora. Recordo o Dr. Costa Marques como um disciplinador,que transmitia aos
alunos a ideia de que a disciplina era fundamental para aprender com método e para crescer com confiança. Com o
Dr. Manuel Nabais aprendi a gostar de História,gosto que se foi mantendo pela vida fora.Apreciava bastante as suas
aulas.Tive oportunidade de ir convivendo com o Dr. Nabais ao longo da vida,aqui em Sesimbra. Depois de ter sido
seu aluno,acabei por ser,mais tarde,seu colega,quando eu próprio,durante uns anos,fui professor provisório do
ensino secundário,ao mesmo tempo que cursava Direito. Outra professora de quem guardo as melhores recordações
é a Drª Amélia Covas,distinta senhora e excelente professora,que em todos nós,alunos,deixou uma óptima imagem.
Do meu tempo,e alguns da minha turma,recordo os colegas José Lemos,o irmão Rui Lemos,o Jaime Neto,o Cunha
Pinto,o Fonseca Mendes-que mais tarde voltei a encontrar na E.P.C. em Santarém-a Luísa,a Vanda,a Odete Cocharra,
a Celeste,o João Maurício,entre outros. De todos esses colegas e essas colegas,guardo as melhores recordações:
sã camaradagem ,amizade e entre-ajuda. Uma referência também para o Sr. Ferreira,quase sempre um "gentleman" como
contínuo do Colégio,sempre com uma palavra de incentivo-ou de correção- para todos nós. Recordo também as aulas de
ginástica no ginásio e dos jogos cá fora no recinto ao ar livre.Eram momentos de prática desportiva dos quais sempre gostei.
Depois de frequentar o Colégio de Sesimbra como estudante do 1º e 2º ciclos,fui frequentar,como aluno interno,no
Colégio de S.António,em Portalegre,o 3º ciclo liceal. Mas voltei ao Colégio de Sesimbra. Depois de cumprir o serviço
militar,e enquanto frequentava o curso de Direito da Faculdade de Direito de Lisboa,dei aulas,como professor provisório,
já na 2ª metade da década de 70,de Português e História,numa altura em que o Colégio de Sesimbra-que era um colégio
privado-já tinha feito um acordo com o Ministério da Educação,no sentido de ministrar os cursos oficiais.
O que ficou da passagem pelo Colégio de Sesimbra ? Ficaram boas recordações:dos colegas,dos professores,do
ambiente escolar,do estudo,daquele período da vida. Foi mais um ,nesta longa caminhada que é a nossa vida,do qual
só tenho motivos para recordar com satisfação.
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9 - OS AMIGOS E AS DIVERSÕES
Desde muito cedo me comecei a relacionar com os miúdos que viviam perto da minha casa e a fazer amigos. Recordo
com gosto os tempos em que eu me reunia no largo de Santana,com o " Zi " , o "João do Sr. Gualdino",
e outros,e aí ficávamos a falar e na brincadeira durante largo tempo.
O "Zi" é o Dionísio,filho do Dr. Leite,que morava mesmo em frente da minha casa.O João José Rodrigues,
era filho do Sr. Gualdino Rodrigues,que também tinha uma mercearia em Santana,e que morava lá mais para baixo,
perto do grémio da lavoura. Eu,o Zi e o João,eramos bons companheiros e partilhavamos bem as actividades próprias
daquelas idades. Com o decorrer dos anos,cada um foi para seu lado,por causa dos estudos e da vida. O "Zi" foi para
Delegado de informação médica,uma profissão próxima da que o pai exercia,e o João foi para professor e foi viver para
a zona de Lisboa.Mas foram bons tempos.Bons companheiros e bons amigos.Nesses anos,tinha várias "namoradas" ,
amigas e vizinhas que viviam nas redondezas,com quem partilhava bons momentos de brincadeiras e de convívio.
Depois,havia os mais velhos.O grupo do futebol,dos bailes e dos petiscos ao fim de semana no "pinto & pinto" em Sesimbra,
perto do hotel Espadarte. O grupo do futebol - o "Zé barbeiro",o Teodoro Alho,o Mário Duarte,o Aurélio,etc,jogava num
campo na Corredora,e depois na Carrasqueira,e "Santana" chegou a ter uma excelente equipa,que defrontava outras
equipas de futebol da freguesia do Castelo,com bons resultados.
Os bailes na Sociedade Santanense Instrução e Recreio eram famosos. Reuniam centenas de pessoas e lá actuavam
excelentes conjuntos musicais.Grande ambiente!Aquilo é que eram bailes. Era o tempo do "twist" e eu gostava bastante
de dançar o twist naqueles animados bailes de Santana. Em Santana e não só.Em Alfarim,em Azeitão,em Sesimbra,a
década de 70 reunia em bailes grande número de adolescentes que se divertiam com as músicas dos "Beatles" dos
"Rolling Stones",dos "Hermans Hermits",dos "Sheiks",do Tom Jones,do Bob Dylan,eu sei lá! Aquilo é que era dançar
até ás tantas...
Aos fins de semana,principalmente na primavera e verão,o "pinto & pinto" em Sesimbra,junto ao hotel Espadarte,
era lugar certo para beber umas cervejas e comer umas ameijoas.Grande ambiente! Sempre cheio! O "pinto & pinto"
foi palco de excelentes momentos de convívio entre a juventude daquele tempo.
Nas terras pequenas,há sempre um núcleo de pessoas que,pelas profissões que desempenham,assumem um lugar
de destaque : o médico,o padre,o professor,o barbeiro,etc. Em Santana,o médico era o Dr. Leite. Ilustre
médico,meu vizinho,e com quem falava com frequência e visitava no consultório,que ficava mesmo ao lado
da minha casa.Voltarei a falar mais tarde do Dr.Leite. O padre,era o padre Agostinho Gomes,que durante muitos
anos aqui esteve na freguesia do Castelo e dava aulas de religião e moral no Colégio de Sesimbra,onde também
nos encontrámos. Um grande amigo,o padre Agostinho. O professor,era o prof. Amável,de quem já falei anteriormente,
e que deixou a sua marca no ensino primário desta terra. E o barbeiro é o " Zé barbeiro " - José Guilherme Páscoa Simões -,que fez o exame da 4ª classe no dia em que fez 10 anos,tendo iniciado logo depois a profissão de barbeiro,em Santana.Já lá vão 72 anos,visto que,em Setembro/2017,tem 82 anos de vida. O "Zé barbeiro" tem sido para todos uma
companhia constante durante todo este tempo e com a sua alegria,boa disposição,camaradagem e lucidez,tem
visto passar pela sua barbearia todo o tipo de pessoas,e a todos deixa sempre uma palavra de apreço e amizade.
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10 - O COLÉGIO DE PORTALEGRE
Em Portalegre,cidade/ Do Alto Alentejo,cercada/ De Serras,ventos,penhascos,oliveiras e sobreiros/ Morei num colégio...
Podia começar assim--pedindo as palavras ao José Régio e á "Toada de Portalegre"-- este pequeno apontamento
acerca da minha passagem pelo Colégio de S.António,em Portalegre,nos já longínquos anos de 1970/1971.
Quando terminei o 2º Ciclo do Ensino Secundário,no Colégio de Sesimbra,foi em Portalegre que continuei os meus
estudos,como aluno interno no Colégio de S.António.
- Sr.Doutor,posso entrar ? - Entra.Estás bom Jorge? O que te trás por cá ? - pergunta o Dr. Leite.
- Sr.Doutor,vou estudar para Portalegre.Acabei os estudos aqui no Colégio de Sesimbra e agora vou fazer o 3º Ciclo
em Portalegre,no Colégio de S.António. Vou ver se concluo o máximo de disciplinas. O Sr.Doutor não me receitava
qualquer coisa para melhorar a atenção e a consentração nos estudos ?
- Àh grande valente! Assim é que é. Vais então para Portalegre. Estuda! Estuda porque o estudo é importante para o
futuro. Uma pessoa com estudos está sempre melhor preparada. Olha! vou-te receitar um estimulante do sistema
nervoso central para melhorar a atenção e a consentração. Vai,estuda,aproveita o tempo,que é para teu bem.
- Obrigado,Dr. Leite. Cumprimentos à D.Carolina e ao Zi. Até qualquer dia.
E assim foi ! Com uma embalagem de "Ritalina" nas malas de viagem-uma excepção face á minha "alergia"por
medicamentos-lá fui eu para Portalegre,para o Colégio de S.António,como aluno interno.
O regime no Colégio era semi-espartano. Estudar muitas horas no quarto;assistir ás aulas; fazer algum exercício
físico; voltar a estudar muitas horas no quarto. Aos fins de semana lá desciamos á cidade mas muitos dos alunos
ficavam logo ali pelo café "Tarro" (café,cervejaria,restaurante) que era bastante agradável,junto a um jardim aprazível.
Aí passávamos algum tempo e depois regressávamos ao Colégio. De longe a longe,lá vinha até ao centro da
cidade para visitar o Plátano do Rossio,a Sé Catedral,o Castelo de Portalegre e - fui lá uma vez - a Casa Museu
José Régio. Como se sabe José Régio(1901-1969) foi professor,poeta,romancista,dramaturgo,ensaista,crítico,
fundador da revista Presença e colaborador da Seara Nova e foi professor de Português no Liceu Nacional de
Portalegre entre 1928 e 1967. A "Toada de Portalegre" é um dos seus poemas mais famosos. Na sua Casa-Museu
tive oportunidade de ver mobiliário,objectos pessoais,antiguidades,arte e artesanato.Uma visita que relembro
sempre com interesse.
Os professores do Colégio eram excelentes,as instalações óptimas,e o ambiente geral estupendo.Os programas
escolares do 6º e 7º ano também me agradavam bastante,principalmente as disciplinas de História,Psicologia e
Filosofia.
Estudava com gosto horas seguidas,fechado no meu quarto,lembrando as palavras do Dr. Leite :"estuda que é
para teu bem!".
Cumpri o objectivo. No final da minha passagem pelo " S. António " o 3º ciclo liceal estava praticamente concluido.
Tinha sido um esforço grande,mas compensador. E guardei sempre daquela passagem pelo Colégio de S.António,
e pela cidade de Portalegre,as melhores recordações.
E lembro-me com frequência desta ideia : onde aprendemos e com quem aprendemos,não esquecemos.
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11 - A RECRUTA
Iniciei o cumprimento do Serviço Militar na Escola Prática de Cavalaria,em Santarém,em julho de 1972. A E.P.C. era
um estabelecimento militar de referência,uma Escola de Cavalaria onde a formação militar era levada muito a sério.
A minha recruta na E.P.C. não fugiu a essa regra: instrução militar exigente,disciplina militar,mas também entreajuda e
camaradagem entre os recrutas.
No final da recruta,no C.O.M.-Curso de Oficiais Milicianos,fui graduado como Aspirante Miliciano e entregaram-me um
Pelotão para instruir. Fi-lo tal como me tinham feito a mim. Com exigência e disciplina militar e com bons resultados,
segundo a hierarquia. No final do COM fui colocado,como Alferes,num Batalhão de Cavalaria que iria para Moçambique
e cuja preparação seria feita em Santa Margarida.
No tempo da Escola Prática de Cavalaria,tinha eu 20 anos,que tipo de pessoa era eu ? Bem,considerava-me informado.
Lia a "Seara Nova" e a "Presença",lia o "Notícias da Amadora" ,o "Expresso",o "Jornal do Fundão" e acompanhava a vida
política.Era "progressista" no sentido de que me parecia que Portugal estava parado no tempo e fechado sobre si próprio.
Via como necessária uma abertura política e uma maior ligação á Europa democrática e mais desenvolvida. Mas já nessa
altura os "rótulos" pouco me intessavam. Esquerda,direita,centro,extrema-esquerda,extrema-direita,tudo isso me
parecia secundário. O importante eram as questões concretas e as condições de vida das pessoas.
Da E.P.C. guardo as melhores recordações. Não só da recruta que,como já disse,foi bastante puxada e competitiva,
mas também do período seguinte em que fui Instrutor,em vez de instruendo.
Uma Escola ! A E.P.C. era de facto uma escola militar excelente.Exigência na formação.Exigência na disciplina.
E,por isso,com bons resultados na formação militar ministrada.
Quando fui para Santa Margarida,como Alferes,achava que estava bem preparado. E não me enganei.
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12 - SANTA MARGARIDA
A preparação do Batalhão de Cavalaria que iria para Moçambique,do qual eu fazia parte como Alferes da 3ª Companhia,
foi feita no Campo Militar de Santa Margarida,durante o 1º semestre de 1973.
O Campo Militar de Santa Margarida,situado no concelho de Constância,perto de Abrantes e de Tomar,é uma das
maiores instalações militares da Europa e a maior instalação militar portuguesa em termos de guarnição e de área
ocupada.Possui 6.400 ha de área,300 edifícios,5.000 militares de guarnição,1 pista de aviação,1 heliporto,1 estação
ferroviária,1 pista de combate,6 carreiras de tiro:4 para armas ligeiras,1 para carros de combate,1 para lançamento
de granadas,tem uma avenida principal com 3,8 km,etc. Construido em 1952,aí eram realizadas manobras e ações
de instrução de grandes unidades em situação de guerra convencional e nuclear. Com o início da guerra do Ultramar,
passou a ser utilizado sobretudo para a instrução em operações de contra-guerrilha.
A preparação militar no Campo Militar de Santa Margarida foi a continuação da exigente e rigorosa preparação
ministrada anteriormente na Escola Prática de Cavalaria,em Santarém. Com uma diferença: agora,os militares
em instrução eram os que iriam para a guerra em Moçambique. Por isso,soldados,sargentos e oficiais estavam
também a criar o "espírito de corpo" necessário para suportar uma vida militar conjunta,e perigosa,que se iria
prolongar por muitos meses.
A preparação do Batalhão decorreu sem problemas. No que se refere então ao Pelotão que eu comandava,
decorreu mesmo sem qualquer problema digno de registo. Exigência na instrução. Disciplina. Cada um na sua
função e no seu posto. Cumprimento escrupuloso das obrigações que a cada um cabiam. Tudo foi feito sem
qualquer problema disciplinar. Soldados,sargentos e oficiais sabiam que tinha que ser assim,porque a guerra em
Moçambique exigia boa preparação militar e disciplina.
Quando acabámos a instrução em Santa Margarida,tinhamos a consciência de que estávamos preparados para a
guerra. Agora,havia que esperar pela ida para Moçambique e chegar ao aquartelamento destinado á Companhia,
no norte de Moçambique,em Cabo Delgado.
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13 - A GUERRA COLONIAL.
A guerra colonial pertence ao passado. Hoje,as relações políticas e económicas entre os povos de Portugal e
de Moçambique - e das outras ex-colónias - são boas e existe cooperação entre os países. É assim que deve ser.
A globalização impõe cooperação e entendimento entre povos e nações. Só assim o mundo avança no desenvolvimento
e em paz.
Mas,vamos lá recordar os tempos que vivi na guerra colonial.
O Batalhão de Cavalaria do qual fazia parte,partiu para Moçambique em agosto de 1973.Depois de uma passagem pela
cidade da Beira,seguimos para o nosso destino,no norte de Moçambique,na província de Cabo Delgado. Omar,Nazombe
e Negomano foram os 3 aquartelamentos onde fomos colocados. A minha Companhia ficou em Omar. Omar tinha fama de
ser um dos piores aquartelamentos.Pelo isolamento,pelas condições de vida,pelos frequentes ataques da Frelimo. E,de facto,
assim era. No dia 18/8/1973,quando lá chegámos,ainda não tinhamos arrumado as malas,fomos logo atacados. Felizmente,
daquela vez,não tinham acertado muito no aquartelamento com as granadas de morteiro e o saldo ficou por uns buracos
de estilhaços nas chapas de zinco das casernas. Mas o aviso estava dado.
A Companhia de Omar importunava a Frelimo. Eles queriam passar com mantimentos e pessoal pelos trilhos existentes
ali perto,vindos da Tanzânia,e aquela Companhia e as operações que os seus pelotões faziam,muitas vezes bem longe
do aquartelamento,eram um entrave grande a esse movimento de tropas da Frelimo.
Fomos atacados com frequência no aquartelamento. Nunca sabiamos quando seria,mas sabiamos que mais dia menos
dia,as granadas voltariam a cair. Faziamos operações externas,durante vários dias,para tentar impedir e dificultar os
movimentos dos guerrilheiros.
A vida no aquartelamento de Omar era difícil. Grande isolamento,alimentação muito deficiente,tensão quase permanente
face aos ataques que nunca sabiamos quando viriam,mas sabiamos que viriam. No entanto,enquanto lá estive,nunca
houve problemas disciplinares. A Companhia,formada em Santa Margarida,era disciplinada e cumpria as suas obrigações
com normalidade. Aos problemas que nós colocávamos á Frelimo com as operações que faziamos,respondiam eles com
a colocação de minas.Algumas foram descobertas e desmontadas,mas,infelizmente,numa ocasião assim não aconteceu
e o Comandante daquela operação-um Alferes-acabou por pisar uma mina anti-pessoal,que lhe veio a causar a morte.
Podia ter sido qualquer um. Foi a ele que saiu o dia do azar.
Estive no aquartelamento de Omar até 13/2/1974 e saí de lá por problemas de saúde. Depois de ter estado internado
em Mueda e no hospital de Nampula,para onde fui transferido,acabei por ficar colocado no Quartel General,em Nampula,
e não voltei a Omar.
A "guerra" em Nampula era completamente diferente. Ou seja,não havia guerra. Era vida militar,sim,mas muito diferente
do que é estar colocado num aquartelamento no mato. Mais a mais em Omar.
Em dado dia,na messe dos oficiais,surge a notícia. Tinha havido uma revolução em Portugal. Era o 25 de Abril de 1974.
Nunca tinha ouvido falar de movimentações militares nesse sentido. Foi uma surpresa. Mas,o que é certo,é que muitos
não viam solução militar para a guerra colonial. Tinha que haver uma solução política. Era necessário negociar.
Entrou-se naquele período de negociações com os movimentos de libertação. A guerra já não era bem guerra.
Mas,nestas situações,há sempre quem queira tirar vantagem. Mesmo que para isso recorra ao logro e á insídia.
Foi o que aconteceu em Omar. No início de agosto de 1974,a Frelimo,para quem Omar sempre fora uma "espinha"
encravada,querendo ganhar alguns trunfos,recorreu a uma falcatrua para aprisionar os militares que estavam lá
nessa data. Fez ardil. E,a fazer ardil,qualquer um ganha. Os militares que estavam em Omar foram enganados.
Enfim ! histórias da guerra...
No último número da revista "Combatente",editada pela Liga dos Combatentes,faz-se referência ao Planalto dos
Macondes,num excelente artigo do General Fernando Aguda,onde se refere : " Mueda obriga a L.C. a honrar os
Combatentes Tombados e sepultados naquele talhão,reverenciando,implicitamente,todos os Combatentes Vivos
que lutaram no Planalto dos Macondes" - revista "Combatente",setembro/2015,pág.20.
Regressei a Portugal em finais de dezembro de 1974 e fui comemorar a passagem do ano no restaurante "O Beco" em Setúbal.
O que ficou da guerra colonial ? Uma experiência difícil e potencialmente traumatizante pelas consequências que pode deixar,
principalmente para aqueles militares que combateram na linha da frente: ansiedade,irritabilidade,comportamentos por vezes
desconexos. Fica a ideia de que a guerra,em certos casos, não é solução para nada. Tem que haver sempre outras formas de
resolver as questões que opõem os povos. A cooperação,o diálogo,as conversações bilaterais e multilaterais,são o caminho
a seguir. A guerra, não é caminho nenhum .
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14 - A FACULDADE DE DIREITO
Iniciei a frequência do Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa no ano lectivo
do 75/76. Ainda havia alguma agitação estudantil na Faculdade,mas eu não me metia nisso.Estava a lecionar como
professor provisório no ensino secundário e o 1º ano de Direito foi estudado á noite.Muitas vezes,ia daqui de Sesimbra
com o meu colega Dr.Jorge Martelo,já falecido,que era empregado bancário e por isso também estudava á noite.
O estudo no 1º ano do Curso de Direito correu-me bem.Eram matérias que gostava de estudar e consegui ter aproveita-
mento a todas as disciplinas e ainda fiz algumas cadeiras do 2º ano.
No ano seguinte fui estudar de dia.Dava aulas no ensino secundário,mas tinha um horário que me permitia estudar de
dia.Nesse ano o aproveitamento escolar na Faculdade também foi bom.Consegui não só completar o 2º ano como fazer
grande parte do 3º ano.Com esforço e muitas horas de estudo,mas foi possivel.Nessa altura já estava a apontar para a
possibilidade de concluir o curso em 4 anos,mas ainda faltava o mais difícil. No meu 3º ano de frequência da Faculdade
de Direito consegui concluir o 4º ano lectivo.Sempre á força de muitas horas de trabalho,mas estava entusiasmado com o
curso e queria terminá-lo rapidamente. E assim sucedeu.No ano lectivo de 78/79 conclui o Curso de Direito da Faculdade
de Direito da Universidade Clássica de Lisboa,no dia 20 de julho de 1979, com a média de 13,4 valores.Ainda pensei repetir
uma ou duas cadeiras para chegar aos 14 valores,mas desisti da ideia pois não pensava seguir a carreira docente
universitária. Fui um aluno médio na Faculdade de Direito. Nalgumas cadeiras,como sempre acontece,com maiores
dificuldades,noutras com mais facilidade,como no caso do Direito da Família onde tive 15 valores.
Desses anos de vida como estudante universitário não posso guardar melhores recordações.Gostava de estudar
Direito,os professores da Faculdade eram excelentes e as instalações também iam servindo embora fossem poucas
para a quantidade de alunos O ambiente universitário,agitado no início do curso,foi voltando á normalidade a pouco e
pouco.Estudei muito.Achava que estava preparado para o próximo passo.Ainda pensei em ir para a Magistratura mas
acabei por ir para a Advocacia. Seguia-se o Estágio da Advocacia.
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15 - O 25 de ABRIL, O M. E. S. e A ALFABETIZAÇÃO.
Quando se deu o 25 de Abril de 1974 estava em Nampula,colocado no Quartel General.Passado algum tempo uma
grande parte dos oficiais começaram a apoiar o Movimento das Forças Armadas.Eu também apoiei mas não me
envolvi a não ser através de alguns pequenos artigos de jornal.Quando regressei a Portugal em dezembro de
1974 participei em algumas reuniões do MES de Sesimbra,e lembro-me de ter ido uma vez a uma reunião
á sede do MES em Lisboa.Mas foi por pouco tempo.A família,os estudos e as aulas no secundário fizeram
com que a minha militância política tivesse sido muito breve.Nunca mais fui militante político de facto.Mas
vejo na social democracia,no socialismo democrático e na doutrina social da igreja os melhores elementos
ideológicos sob o ponto de vista político-social.
Nos primeiros meses de 1975 participei nas campanhas de alfabetização do MFA. Dei aulas de alfabetização na
Azoia,na Aldeia do Meco,em Alfarim,no Zambujal,etc.Durante algum tempo participei com gosto nessa actividade.
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16 - PROFESSOR DO ENSINO SECUNDÁRIO
Entre 1976 e 1979,durante o período em que frequentei a Faculdade de Direito,exerci funções de
professor provisório no ensino secundário. No antigo Colégio de Sesimbra,do Dr.Costa Marques,
na Escola Preparatória de Sesimbra e na Escola Alfredo da Silva,no Barreiro.Foi uma actividade
interessante e útil.O contacto com alunos de diversos níveis de ensino e de várias idades,lecionando
disciplinas como o Português,História,Filosofia ou Psicologia,permitiu aumentar,não só o conhecimento
pessoal,como o grau de relacionamento com outras pessoas,o que foi um contributo importante para
a actividade futura como advogado.Encontrei então,agora como colegas,antigos professores do Colégio
de Sesimbra,como foram os casos da Drª Amélia Covas,do Dr.Manuel Nabais e do padre Agostinho.
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17 - O ESTÁGIO DE ADVOCACIA
Iniciei o Estágio da Advocacia no início de 1980 num escritório de advogados na av.Fontes Pereira de Melo,
em Lisboa.O meu patrono foi o Dr.Luis Santos Ferro,ilustre advogado,já falecido,que muito me ajudou com os
seus conselhos e com os processos que me deu para estudar.Também tive a ajuda,durante o estágio,de outros
ilustres colegas desse escritório. Passei muitas horas no Tribunal da Boa Hora a assistir a julgamentos,a tomar
apontamentos dos mesmos,a consultar processos e a fazer defesas oficiosas.Também passei muito tempo no
escritório a estudar processos e a assistir a consultas com clientes.O ambiente naquele escritório,com vários
advogados,era bom.Trocávamos opiniões e pontos de vista sobre questões jurídicas.Aliás,no fim do Estágio,
acabei por ficar com escritório nesse mesmo local,onde me mantive até ao ano de 1995.Contando com o
tempo do Estágio,tive escritório de Advocacia em Lisboa,durante 15 anos.
O Estágio da Advocacia foi exigente.Aliás eu levava aquilo a sério porque queria exercer e portanto tinha que
dominar todos as questões que se relacionassem com a profissão.O principal trabalho era estudar os dossiers,
sob o ponto de vista dos factos e do direito,assistir com atenção aos julgamentos,tanto no crime-Tribunal da
Boa Hora,como no cível-Palácio da Justiça,a participar,estudando bem os assuntos,nas "defesas oficiosas".
Nunca fui dos que se limitavam a "pedir justiça".Foi muito raro isso acontecer.Sempre estudei os processos
oficiosos,fazia as alegações e pedia a justiça que me parecia correcta.Não me dei mal com o sistema.Adquiri
conhecimentos e prática jurídica suficientes para enfrentar com segurança e confiança a profissão de advogado.
Durante o Estágio escrevi um livro jurídico - Da Conta Em Participação - editado pela livraria Petrony.
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18 - A CONTA EM PARTICIPAÇÃO
" Da Conta Em Participação " é um livro que escrevi durante o Estágio da Advocacia e que foi publicado em 1981,
pela Livraria Patrony,em Lisboa. Aborda o contrato comercial que era regulado nos artºs 224º a 229º do Código
Comercial,e que agora está regulamentado no Decreto-Lei nº 231/81,de 28 de julho,que estabeleceu o regime
jurídico dos contratos de Consórcio e de Associação em Participação,revogando os referidos artºs 224º a 229º do
Código Comercial.
A Conta Em Participação chama-se,por isso,agora,a Associação Em Participação.
No meu livro faço uma breve análise á origem da Conta Em Participação,ás vantagens e inconvenientes,á natureza
da Conta Em Participação,á distinção entre a Conta Em Participação e diversas entidades comerciais,ao regime jurídico,e
á extinção do contrato.Também abordo a legislação existente naquele tempo noutros países sobre este contrato de comércio.
A feitura deste pequeno livro jurídico obrigou-me a muitas horas de estudo e consulta de vários autores que escreveram
sobre a Conta Em Participação,com destaque para o trabalho do Prof. Raul Ventura--anteprojecto da Associação Em
Participação--publicado no Boletim do Ministério da Justiça (BMJ) ,nºs 189 e 190. A Biblioteca da Ordem dos Advogados foi
a minha casa durante muitas tardes.
Aqui ficam algumas informações sobre a ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO :
a )- O que é o contrato de Associação em Participação ?
É o contrato através do qual uma pessoa se associa á actividade económica exercida por outra pessoa,ficando a primeira
a participar nos lucros ou nos lucros e nas perdas que desse exercício resultarem para a segunda (artº 21º do Dec.Lei
nº 231/81,de 28/7). Assim,a Associação em Participação implica,pelo menos,dois sujeitos: um deles,normalmente,mas não
necessáriamente,um comerciante,que obtém o financiamento e mantém o exclusivo controlo da sua actividade,sendo o
único a surgir nas relações externas ( associante ) e,pelo menos,outro,que não tem de exercer uma actividade comercial
e que realiza um investimento remunerado na actividade do primeiro ( associado ).
A Associação em Participação é um meio rápido e simples,de financiamento de médio prazo ao exercício de actividades
económicas. Não tem personalidade jurídica. Perante terceiros,o associante surge como o único titular e dono do negócio,
pois só ele intervém no tráfego jurídico. A sua relação com o(s) associado(s) é meramente obrigacional,não sendo
contitulares de qualquer património comum.
As disposições do Decreto-Lei nº 231/81,de 28/7 (artºs 21º a 31º ) são,em grande medida,de carácter supletivo,o que
dá ao associante e ao(s) associado(s) uma ampla autonomia na regulamentação do contrato.
b ) - Quais os elementos da Associação em Participação ?
1 - A actividade económica de uma pessoa.
2 - O fim comum - ou seja,a obtenção e posterior participação nos lucros. A participação nas perdas,pode ser excluida
por cláusula do contrato - artº 21º nº 2.
3 - A estrutura associativa. A contribuição do associado - é,em regra,um elemento do contrato,mas pode ser dispensada,caso
as partes convencionem a participação do associado nas perdas - artº 24º nº 2.
c ) - Distinção de figuras afins
1 - A Associação em Participação difere da sociedade,pois não dá azo á formação de um património comum,nem
visa o exercício em comum de uma actividade económica.
2 - Difere do Agrupamento Complementar de Empresas pois assenta no fim lucrativo da associação em participação,
que não é prosseguido pelo agrupamento complementar de empresas.
3 - E também não se confunde com o Consórcio,pois não se traduz numa simples concertação de contribuições ou atividades.
d ) - Forma
O contrato de Associação em Participação não está sujeito a forma especial,excepto se a natureza dos bens que
constituem a contribuição do associado exigir forma especial para a transmissão,como é o caso dos bens imóveis - artº 23º.
Mas,em princípio,há certas cláusulas do contrato que apenas se podem provar por documento escrito : as cláusulas
de exclusão da participação do associado nas perdas-muito frequentes,na prática- e as que,quanto a estas perdas,
estabelecem a responsabilidade ilimitada do associado.
e ) - Participação nos lucros e nas perdas
Vale o que fôr acordado entre as partes - artº 25º. Se as partes nada convencionarem a este respeito e se as contribuições
do associante e do associado tiverem sido avaliadas,a participação do associado nos lucros (e nas perdas ) será
proporcional ao valor da sua contribuição ; se,pelo contrário,as contribuições não tiverem sido avaliadas,a participação
do associado será em metade dos lucros (e das perdas ),sem prejuízo de uma eventual redução judicial dessa participação
em termos equitativos,a pedido do interessado - artº 25º nº 3.
f ) - Deveres do associante
Para além dos demais deveres legais e dos acordados pelas partes,o associante tem os deveres gerais,previstos no artº 26º,
e os deveres relativos á prestação de contas,previstos no artº 31º.
g ) - Extinção da Associação em Participação
A Associação em Participação extingue-se por força das circunstâncias previstas no contrato e nos termos dos factos
referidos no artº 27º. Os contratos celebrados por tempo determinado ou que tenham por objecto operações determinadas
só podem ser extintos unilateral e antecipadamente com base em justa causa,a qual,consistindo em facto doloso ou
culposo de uma das partes,gera a obrigação dessa parte de indemnizar a(s) outra(s) pelos danos causados pela
extinção antecipada do contrato.
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19 - A PÉROLA DE SANTANA
A "Pérola de Santana" é o nome de um estabelecimento comercial,situado em Santana-Sesimbra,que já tem
mais de 60 anos de existência. Começou por ser uma mercearia,na década de 1950/1960,depois passou a ser
também drogaria e,uns anos mais tarde,ampliou a sua actividade para estabelecimento de ferragens e materiais
de construção,mantendo a drogaria.Actualmente é formada por 3 lojas.
Situada em Santana,junto ao antigo consultório médico do Dr.Alberto Leite,num prédio já bastante antigo,adquiriu
mais tarde novas instalações.No início,a mercearia era explorada pelo meu pai que,a dada altura,devido ao aumento
do volume de negócios,se viu forçado a contratar colaboradores.Foi então para lá o Florentino e,um pouco mais tarde,
o Agripino,que sempre têm trabalhado na "Pérola de Santana". Primeiro,como funcionários e,mais tarde,quando foi
constituida a sociedade "Alfredo Pereira Pinhal,Lda",passaram a ser sócios da empresa.
A "Pérola da Santana" é uma pequena empresa,mas por onde passam muitos fornecedores e muitos clientes,devido
á grande quantidade de produtos que vende.O seu volume de negócios,razoável,tendo em conta as suas características,
faz da "Pérola de Santana" uma "micro-empresa". Mas é uma pequena empresa,conhecida e respeitada no giro comercial.
Hoje,enfrenta algumas dificuldades ,embora sem dívidas oficiais,pois o sector da construção civil e das
obras públicas atravessa um período difícil,com poucas obras e grande diminuição do volume de vendas.
Um dia destes fui a uma repartição pública tratar de um assunto da "Pérola da Santana".A moça que me atendeu,
depois de eu dizer qual era o assunto e qual a empresa e ter-lhe perguntado se conhecia,respondeu-me :
-- toda a gente conhece !
É de facto uma casa comercial conhecida.Já com uma provecta idade,com alguns elementos mais velhos,mas também
com um grupo de colaboradores mais novos,que são a garantia do funcionamento da empresa por muitos mais anos,se
as condições do mercado o permitirem.
A "Pérola de Santana" suportada pela sociedade Alfredo Pereira Pinhal,lda,foi criada por mim. Em 1980,quando o meu pai
adoeceu-doença que o havia de vitimar-perguntou-me se eu achava bem constituir uma sociedade,com os colaboradores
mais velhos,por forma a desenvolver os negócios da "Pérola". Eu,que nessa altura estava a fazer o Estágio da Advocacia,
disse que sim,que achava bem,e encarreguei-me de fazer o Pacto Social da sociedade,que foi formalizado no Cartório
do meu ilustre amigo e colega notário,Dr. Miguel Carvalho Dias. Desde então tenho acompanhado sempre a vida jurídica
da empresa e ajudado á sua manutenção e desenvolvimento.O Florentino e o Agripino têm sido os "encarregados-
-gerais" das lojas e são eles que mais contactam com clientes e fornecedores e que estes melhor conhecem.
Já lá vão mais de 60 anos desde que a "Pérola de Santana" existe. Jé lá vão mais de 35 anos desde que a sociedade
Alfredo Pereira Pinhal,lda,existe. Há uma "equipa" capaz de manter e suportar a actividade da "Pérola de Santana".
Vamos lá ver se a situação económica e as condições de mercado na área em que actua,são favoráveis á manutenção
da sua actividade por muitos mais anos.
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20 - O ROTARY CLUBE DE SESIMBRA
Já tive oportunidade de escrever um apontamento sobre o Rotary Clube de Sesimbra,que se encontra noutro local.
Vou aproveitar este espaço para contar alguns episódios ocorridos comigo enquanto estive lá na presidência,no ano
rotário 1992/1993.
Estávamos todos a aprender.O clube era recente,eu era o 1º presidente eleito e tinha colocado como uma das minhas
prioridades,conhecer bem e aplicar nas reuniões os regulamentos do movimento rotário.Por isso,durante as reuniões,
respeitava e impunha algum formalismo e rigor.Numa dada ocasião,depois de ter dado por terminada a reunião,um
companheiro pediu a palavra,pois ainda queria dizer mais qualquer coisa.Eu disse que não.A reunião tinha terminado.
Mas é só uma curta intervenção,dizia esse companheiro.Não!desculpe lá companheiro,mas a reunião terminou.
Furioso,o referido companheiro,alto e bom som,afirmou "este tipo é um nazi ! .Estamos bem entregues."
Mas o episódio passou.As reuniões seguintes correram bem,seguiam o formalismo rotário e a pouco e pouco o
clube estava disciplinado e a cumprir os seus objectivos.Hoje falo normalmente com esse companheiro.Somos bons
amigos.Na altura estávamos todos a aprender e eu entendia que tinha que ser rigoroso na aplicação dos regulamentos.
Lembro-me também duma reunião no Rotary Clube de Setúbal,em setembro/1992,que tinha como convidado o
prof.Marcelo Rebelo de Sousa. A sala estava completamente esgotada e a palestra do prof.Marcelo Rebelo de Sousa
foi excelente.Tive oportunidade de fazer uma breve intervenção.
E recordo também a palestra que o Dr. Mário Raposo,ilustre advogado,já falecido,e que foi Ministro da Justiça em
vários governos e com diversos Primeiros Ministros,veio proferir ao Rotary Clube de Sesimbra,durante a minha
presidência.Veio falar de Direito Marítimo,ramo de Direito em que era especializado. Sesimbra,uma terra ligada ao
mar! não podia ter sido mais apropriado o tema da palestra do Dr. Mário Raposo.
Foi também durante a minha presidência que o Rotary Clube de Sesimbra começou a atribuir Bolsas de Estudo a
estudantes do concelho de Sesimbra. A Fundação Rotária solicitou ao Clube que implementasse as Bolsas de Estudo
e o Rotary Clube de Sesimbra começou a materializar esse programa.
As Bolsas de Estudo são uma das imagens de marca do Rotary Clube de Sesimbra. O Clube é conhecido no movimento
rotário,nomeadamente no Distrito Rotário de que faz parte,por ter tido sucesso na atribuição de Bolsas de Estudo. Com
a colaboração de muitas empresas e empresários e da Câmara Municipal de Sesimbra,tem sido possível ao longo dos
anos atribuir muitas dezenas de Bolsas de Estudo e estudantes de diversos graus de ensino,ajudando-os a ultrapassar
as dificuldades que se colocam no estudo e na actividade estudantil.
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21 - HISTÓRIAS DA ADVOCACIA
a) - O cinzeiro
A D. Felismina foi uma cliente que eu tive,já há muitos anos,uma senhora de idade avançada e bastante doente,que se
viu confrontada com uma acção de despejo instaurada pela senhoria,a D.Luísa Raimundo,uma senhora também com
bastante idade. Mas,inquilina e senhoria,não se davam lá muito bem.Daí a acção de despejo.
Defendi a D. Felismina na acção de despejo o melhor que foi possível,face aos factos e ao direito aplicável,mas a questão
era complexa e foi-se arrastando no tribunal.
Num dado dia :
-- Sr.Doutor,está aqui a D.Felismina,para falar com o Sr.Doutor! - diz a Ana Margarida,a minha funcionária.
-- A D.Felismina ? Mas eu não a mandei vir cá ao escritório.Por agora não há novidades no processo da D.Felismina.
-- É só para dar uma palavra ao Sr.Doutor! - diz a Ana,fazendo eco da intenção da minha cliente.
-- Então,está bem! Manda-a entrar.
-- Sr.Doutor,dá-me licença!
-- Entre D.Felismina! O que é que a traz por cá.Não a mandei vir cá.Não tenho nada de novo para lhe transmitir acerca
do seu processo.
-- Sr.Doutor! Tenho aqui um presente para o Sr.Doutor.
-- Um presente?! Ora essa. Não estou á espera de presentes dos clientes.Faço o meu trabalho o melhor que sei e posso,
cobro os honorários devidos,e não estou á espera de mais nada.
-- Mas Sr.Doutor,eu queria agradecer-lhe tudo o que tem feito por mim.Isto é um grande problema e o Sr.Doutor tem
conseguido conduzir o caso de forma que eu não saia lá de casa.E eu queria agradecer-lhe oferecendo-lhe este presente.
-- Bem,D.Felismina! Eu não vou ter a indelicadeza de recusar o seu presente.Não é por causa do presente que trabalho
mais e melhor,mas agradeço-lhe a amabilidade,e vamos lá ver então o presente.
D. Felismina entregou-me um embrulho que abri e,então,lá estava,dentro de uma caixa,um grande e reluzente cinzeiro de vidro.
-- Belo cinzeiro,D.Felismina! Muito obrigado pela sua oferta. Olhe! vai ficar aqui mesmo no escritório,para atestar para a
posterioridade este momento.
-- Não tem nada que agradecer,Sr.Doutor. Eu é que agradeço o que tem feito por mim. Bom dia,Sr.Doutor.
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Já lá vão cerca de 30 anos ! A D. Felismina já faleceu. A senhoria,D.Luisa Raimundo,também já faleceu.
Ambas residiam na Quintola de Santana e a D. Luisa Raimundo era tia do "Chico",que eu vejo com frequência e
com quem falo com gosto. Um dado dia perguntei ao "Chico":
--Então "Chico",a D.Felismina e a tua tia,a D.Luisa Raimundo,não se davam lá muito bem ?
-- Não,não se davam lá muito bem. Mas a D. Felismina só saiu lá de casa quando faleceu. E a minha tia também já faleceu!--disse-me
o "Chico".
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---------------------- "O Cinzeiro" de D.Felismina - uma das muitas histórias que um advogado tem sempre para contar.
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b ) - O Advogado e a Clientela
A clientela do advogado pode ser muito diversa. Advogados há que não têm praticamente clientes,pois são advogados
de empresas,de bancos,de companhias de seguros,etc,,e optam por trabalhar apenas para esses clientes. Outros há que
combinam essas actividades,com a existência de uma clientela no escritório onde exercem. E há - a maioria dos advogados -
os que trabalhando essencialmente nos seus escritórios,possuem a clientela que foi chegando ao longo dos anos.
Durante muitos anos a minha clientela foi constituida assim. Os clientes iam chegando ao escritório,alguns apenas para
uma ou duas consultas,outros para serem patrocinados em processos judiciais já instaurados ou a instaurar,e assim se
foi constituindo a clientela que cheguei a ter,durante esses anos em que exerci advocacia para a generalidade da
população. São cerca de 340 as fichas de clientes que repousam na secretária,que agora é aberta poucas vezes.
O advogado - tal como o médico no seu consultório - em princípio,defende qualquer pessoa que o procure. Depois,
analiza qual é o problema jurídico e decide se quer e se pode patrocinar essa pessoa,se fôr esse o caso.
Mas,o advogado pode não ter essa liberdade total de escolha.No meu tempo,nos primeiros anos em que exerci
advocacia,mesmo sem querer,o advogado era nomeado defensor oficioso,através de uma escala que havia na
Ordem dos Advogados,e podia ver-se a defender todo o tipo de pessoas: crimes de burla,,traficantes de droga,
arguidos acusados de crimes de terrorismo ou outros semelhantes,violadores,assassinos,psicopatas,etc..
Perante uma nomeação oficiosa,o advogado era obrigado a aceitar,a menos que apresentasse uma escusa de
patrocínio,que fosse aceite pela O.A..
Nos meus primeiros anos de advocacia fui nomeado várias vezes desta maneira.Defendi toxicodependentes,burlões
e outros criminosos,mas nunca fui nomeado para defender arguidos acusados de crimes de terrorismo ou outros
semelhantes. Mas podia ter acontecido.Na década de 80 do século passado,quando eu dava os primeiros
passos na advocacia e era nomeado defensor oficioso,Portugal conheceu um surto de terrorismo urbano,
protagonizado por algumas organizações,de extrema-esquerda e de extrema-direita,acusadas desse
tipo de crimes. Felizmente que foi uma situação ultrapassada. Mas as pessoas que fizeram parte dessas
organizações,muitas delas foram defendidas por defensores oficiosos. Podia ter-me calhado a mim,mas
tal não aconteceu. Fora dessas situações de defesa oficiosa,nunca coloquei a hipótese desse tipo de defesas,
pois sempre preferi o patrocínio de processos cíveis face aos processos penais.
O trabalho do advogado - tal como o do médico - pode tornar-se por vezes incómodo e incerto.A advocacia é,
pois,uma profissão que,em certos casos,requere,para além do saber jurídico inerente á profissão,capacidade
para arcar com os efeitos colaterais mais desagradáveis desse exercício.
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22 - HISTÓRIAS DO DESPORTO
a) - O Entroncamento
Naquele ano a "Corrida do Dia Olímpico" era no Entroncamento e eu já andava a seguir as corridas do dia
olímpico há alguns anos.Onde era a "corrida do dia olímpico" lá estava eu. Mas,no Entroncamento ?
Nunca fui ao Entroncamento e aquilo ainda fica longe.Tenho que ir daqui ainda de noite.Bem,vou pensar.
Acabei por ir ! No dia 22/6/2003,levantei-me ainda noite cerrada,já tinha preparado o saco desportivo para
levar e,sózinho,como quase sempre acontece nestas deslocações para as corridas,aí vou eu em direção ao
Entroncamento,para participar no 12º Grande Prémio Museu Nacional Ferroviário.
Como se sabe,é no Entroncamento que está situado o Museu Nacional Ferroviário,instalado no Complexo
Ferroviário do Entroncamento,numa área de 4,5 hectares que comporta 19 linhas ferroviárias e possui uma
das melhores coleções de património ferroviário da Europa. 36.000 Objectos,de grandes e pequenas dimensões,
constituem o acervo do Museu.
Depois de uma viagem sem problemas através da A1,lá cheguei ao Entroncamento e encontrei o local da corrida.
Como é hábito,depois de estacionar o carro e levantar o dorsal,tomei um café num dos estabelecimentos das
redondezas e aguardei pelo início da prova. Eram 12 km e,em 2003 estava relativamente bem preparado,e conclui
o percurso em 58 m 55 s,o que para mim era excdelente. Mas,mais importante que o tempo feito na corrida,era o
motivo que me tinha levado lá. A Corrida do Dia Olímpico/2003. Assim,recebi uma camisola especial dedicada a esse
dia e o "Prato" que a organização ofereceu aos participantes,também faz referência à "Prova de Atletismo-Corrida Olímpica".
O Entroncamento,por aquilo que me foi dado observar,pareceu-me ser uma cidade agradável e desenvolvida e,por isso,
a justificar nova visita,nomeadamente para visitar o Museu Nacional Ferroviário,já que daquela vez isso não foi possível,
pois regressei logo a Sesimbra.
Mas,tinha conseguido atingir o objectivo que me propus : participar na Corrida do Dia Olímpico/2003,que era no
Entroncamento,enquanto as outras tinham sido "ao pé da porta".
Uma,de muitas e muitas histórias que estas andanças nas corridas - que têm servido para me distrair e ao mesmo
tempo para fazer algum exercício físico - me têm proporcionado.
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23 - A ADVOCACIA EMPRESARIAL
Depois de exercer cerca de 20 anos a advocacia com clientela repartida pelos escritórios de Lisboa e de
Sesimbra - isto entre 1980 e 2000 - decidi dedicar-me apenas á advocacia empresarial,centrada na empresa
de que sou sócio. A empresa tinha ampliado as suas instalações--processo que foi liderado por mim,primeiro,
nas negociações com o sr.Germinal Correia,relativamente ás instalações da ex-Torfer,das quais era proprietário,e,
mais tarde,com o Dr.Aurélio de Sousa,em relação a outras instalações--e com isso aumentado o seu volume de vendas.
Começaram a surgir problemas importantes com dívidas de clientes e era necessário recorrer ao tribunal.
Patrocinei,assim,muitos processos da empresa e entendi que devia dedicar-me apenas a esse tipo de advocacia.
Foi uma opção tomada atendendo ao volume e á importância dos assuntos que iam surgindo na empresa e com
o objectivo de acompanhar melhor o desenrolar da vida societária.
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